Um banco ameaçado é um problema muito maior para a economia que uma empreiteira à beira da falência (Fernando Jasper)
A Lava Jato parece estar nos calcanhares do mercado financeiro. Se apontar o envolvimento de um ou mais grandes bancos no esquema de corrupção, a operação testará a alardeada solidez do sistema bancário brasileiro.É conhecido o impacto das investigações sobre as empreiteiras, que antes pareciam inabaláveis: milhares de demissões, fornecedores quebrados, obras abandonadas. Mas a coisa toma outra dimensão quando se trata do setor financeiro, onde está depositado o grosso do dinheiro de cidadãos e empresas.
Um banco ameaçado representa um problema muito maior para a economia do que uma empreiteira à beira da falência. Ainda mais no Brasil, onde a concentração bancária só aumenta: os quatro maiores detêm mais de 70% dos ativos e quase 80% dos depósitos e empréstimos. E, como o sistema financeiro é todo interligado, a “doença” de um pode se espalhar rapidamente para os demais – é o chamado risco sistêmico.
Apesar disso, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo não esperam qualquer desastre. Acham pouco provável que a solvência das principais instituições financeiras venha a ser ameaçada, mesmo que banqueiros ou altos executivos sejam presos, e mesmo que lá na frente elas tenham de pagar multas pesadas por crimes ou infrações administrativas.
Os especialistas também veem poucas chances de corrida bancária – o fenômeno em que multidões de clientes tentam sacar dinheiro ao mesmo tempo por medo de que o banco quebre, o que acaba facilitando a própria quebra.
“Se a Lava Jato chegar num executivo de um grande banco, a imagem da instituição sai arranhada. Mas não vejo risco de quebra, nem para o banco, nem para o sistema. Numa situação dessas, a instituição se blinda afastando imediatamente o executivo que estiver envolvido”, diz João Augusto Salles, analista da consultoria Lopes Filho & Associados.
Para o consultor, pode ocorrer, “no limite, radicalizando”, uma migração de recursos rumo aos estatais Banco do Brasil e Caixa, que sempre podem contar com o socorro do governo. “Mas mesmo esse seria um passo radical”, avalia.
O caso que serve de parâmetro para a maioria das análises é a prisão de André Esteves, sócio do BTG Pactual, em novembro de 2015, sob suspeita de tentar obstruir a Lava Jato. Em um dia, as ações do banco caíram perto de 40%. Vários clientes bateram em retirada, fazendo saques volumosos.
“Esse é um caso particular porque a imagem do Esteves sempre foi muito associada à do BTG. No caso de instituições maiores, não acho que a prisão de um banqueiro possa interferir na solidez do banco”, avalia Luiz Miguel Santacreu, analista da agência de classificação de risco Austin Rating.
Patrimônio robusto
Embora tenha se agigantado nos anos que antecederam a prisão de Esteves, o BTG é pequeno perto dos grandes bancos comerciais. No melhor momento, seu patrimônio de referência “nível 1”, de alta qualidade, chegou a R$ 23 bilhões – uma fração dos números que hoje exibem Itaú (R$ 111 bilhões), Bradesco (R$ 73 bilhões) e Santander (R$ 58 bilhões), os maiores bancos privados.
“Não creio que o sistema bancário vá ser abalado. Ele é muito forte e os acionistas, muito robustos”, diz Fernando Meibak, que foi executivo de bancos e hoje é sócio da Moneyplan Consultoria.
Salles, da Lopes Filho, observa que o perfil do BTG e de seus clientes também foi determinante para o estrago causado pela prisão do banqueiro.
“O BTG é um banco de investimentos, com clientes institucionais, que são muito mais sensíveis. Basta um ruído para que comecem a resgatar os recursos. Isso afeta muito os bancos de pequeno e médio porte”, diz Salles. “Nos grandes bancos de varejo, os clientes são muito mais pulverizados.”
Reação rápida ‘salvou’ BTG
Em meio ao choque da prisão de André Esteves, os sócios do BTG agiram rápido: afastaram o sócio da diretoria e trataram de levantar dinheiro. Em apenas uma semana, venderam a rede de hospitais Rede D’Or por R$ 2,4 bilhões. Na sequência, passaram adiante carteiras de crédito e até um banco na Suíça.
O BTG encolheu drasticamente – o valor de seu ativo despencou de R$ 284 bilhões em setembro de 2015 para R$ 132 bilhões no fim de 2016 – mas conseguiu estancar a sangria. Recentemente, o ativo total voltou a crescer, chegando a R$ 148 bilhões ao fim de março, segundo o último balanço da instituição. (Fonte: Gazeta do Povo)